Por muito tempo, quando me perguntavam: “quem
é você e o que faz?” A resposta era sempre a mesma: Meu nome é Kássia e sou
jornalista. Sou jornalista. E isso me enchia de orgulho, certo status, poder.
Vivia para o trabalho (com intervalos mínimos entre um trabalho e outro, e de
um relacionamento sobre o qual já falamos em outro artigo).
Quando me vi infeliz, fisicamente doente,
perdendo uma das minhas maiores qualidades (o bom humor), me tornando
agressiva, perdendo o prazer de escrever e fazendo somente por obrigação eu não
aceitei. Questionava-me: ‘como assim eu não estou com vontade de ir trabalhar?’;
‘como assim estou bloqueada e não consigo escrever’; ‘por que eu estou
escrevendo somente o que sou obrigada’; ‘porque produzo para os outros e não
produzo mais nada que me dê prazer, que seja para mim?’.
Não me imaginava fazendo outra coisa.
Mas tinha dois livros arquivados. Um quase finalizado e um “abandonado” no
meio. Não conseguia concluir. Simplesmente não conseguia. ‘O que está
acontecendo comigo?’. Escrever sempre foi minha paixão, desde criança.
Lembro-me bem de escrever livros inteiros, estórias completinhas, em cadernos
inteiros, e depois de ler, jogá-los fora. Nunca estava bom o suficiente. Para
quem? Por quê?
Durante a terapia, fiz um “teste
vocacional”. Não sei se é bem assim que o chamam, mas o princípio é basicamente
esse: descobrir as coisas para as quais eu tinha aptidão, já que não me
identificava mais como jornalista e estava ‘bloqueada’ nos meus projetos
pessoais.
Depois de meses, este teste foi unido a
uma infinidade de conversas que já tinha com a psicóloga e juntas descobrimos
que isso não era só no jornalismo. Para explicar melhor, qualquer atividade que
me desse pra fazer eu daria 100% de mim e realizaria para provar pra mim mesma
que era capaz. E, lentamente descobri o motivo.
Ouvi muitas vezes, quando era criança,
que era burra, que nunca seria nada na vida, que seria uma eterna dependente.
(Um alerta aos pais) Cresci com aquilo no meu inconsciente. Já estava tão
enraizado em mim que já fazia parte da minha personalidade: “Eu preciso provar
que sou capaz, que sou inteligente, que não preciso de ninguém...” quanta
bobagem!
Então, como comecei a trabalhar cedo no
que eu acreditava que era pra mim, aquilo virou Kassia, e não o trabalho de
Kassia. Tentei me desvincular disso algumas vezes: fazendo cursos em áreas
diversas, trabalhando em áreas diversas. Mas o hábito de querer ser a melhor do
curso ou do trabalho não me deixava em paz. E quando eu falhava, ainda que em um
ponto mínimo, me culpava e culpava. E tentava resolver fazendo melhor ainda.
E trouxe isso para os relacionamentos: a
culpa era sempre minha. ‘Ele não me ama porque eu não me dei o suficiente,
porque não o presenteei o bastante, porque não tomei conta dele bem, porque não
resolvi os problemas dele, porque não sou boa de cama o suficiente...’ A culpa
tinha que ser sempre minha, afinal, eu era burra, dependente, incapaz. O
sofrimento era indescritível.
Foi muito tempo de estudo interior (terapia,
ioga, meditação, leitura...) para descobrir as raízes disso. E quando descobri,
foi como se tivesse dedicado anos e anos de vida a agradar o meu ego. A agradar
aquelas palavras ditas no momento e hora errada que ficaram dentro de mim como
se fossem parte de mim, mas não, não são.
E hoje, quando me perguntam: quem é
você, respondo: sou uma mulher se descobrindo. Estou descobrindo o amor próprio,
a fé, o que realmente merece valor ou não, trabalhando com o que gosto neste
momento, mas que não tem medo de mudar de ideia amanhã e tentar uma coisa nova.
Não preciso agradar ninguém, provar nada para ninguém. Preciso viver, amar, ser
feliz. Agradecer todos os dias pela oportunidade de descobrir as raízes cedo e
cortá-las.
Não é um processo fácil. Não vou negar.
Mas vale cada segundo. Para evitar isso, faço um alerta aos pais e educadores:
Não façam isso com as crianças. Não menosprezem seus talentos, não enfatizem
suas limitações. Cada ser humano é diferente e cada um “digere” essas coisas de
maneira diferente. Ensine seu filho a encontrar seu próprio caminho e ser
feliz, e não para satisfazer os outros ou a você. A felicidade é uma coisa tão
boa, mas não existe fórmula secreta para encontra-la. Por favor, não atrapalhe
o percurso dos outros.
Namatê
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